terça-feira, 27 de junho de 2017

Apocalipse de manhã



Cai o meteoro em um exato momento. Atinge o sino pela manhã. Todos caem ao mesmo tempo do universo, reduzem a ostra até um patamar sensível, enterram o mesmo peixe seis vezes, roem a cutícula das aves, mostram o rosto em formato azul. Apagam aqueles que cintilam, continuam sem galhos. Precisam continuar sem galhos e ruins. Cozinham dentes com papoulas, esperam até um ouvido absurdo acabar. Roubam o rosto das horas, transpõem para o tecido interno a poeira das grades, respiram o ar escuro que levanta das moitas em chamas, vivem até que um vento penetre ruim e sem vida, precisam de um ouvido que cuide. Hoje o dia é escuro e não há postes. Olhe para as plantas e espere até reviver. Mas ele cai tão sonoro! cai tão sonoro e depois abafa. Junte as peças e varra por dentro até que ali nada mais se veja. E feche também as janelas  é claro, o ruído não nos deixa adormecer. As pessoas aguardam o meteoro com uma alegria sonora. Torcem os cadarços e não penduram as roupas que já estão secas. Obviamente, pois apenas aguardam porque sem hora marcada pode vir uma destruição. Uma mariposa fraquinha e ressecada pousa na fresta. Torce os olhos de sono/caminha contra o vento. Continua sem galhos. Precisa continuar sem galhos e ruim. Um homem também recebe o impacto mesmo sem a ossatura frágil de uma mariposa. Ele rola os olhos antes mesmo de ver a urtiga espirrar (com o sol entrando em ondas trêmulas primeiro na pele e depois nos nós do crânio e abaixo do queixo e nariz). O ruído ali pode ou não ter asas ou nervos escorridos pelos membros atingidos. Depois eles retornam de ossos traumáticos, acalmam doces o piso quieto da memória. Pisam até que não se veja mais o céu. Percorrem o ondulado sonhando, respirando um ar úmido das cobras quietas. uma pomba nervosa devora um osso em minutos. Crescem de veias azuladas, permanecem fiéis à cópia crescida das flores, permanecem dentro das raízes. Crescem de corredores mais largos. Já a mente não pode desafinar com esse apito. Pede ao apito que se aquiete? Onde estão os postes? Olha a carne espessa e assombra. Continua na clareira, olha o abismo com migalhas. Acerta o alvo, traz a couve para a cesta e semeia. Agora tudo é uma nova luta pela sobrevivência (cuidamos para não sermos enjaulados em um novo universo). Aqui nada mais carece de explicação. Estamos quietos e respiramos o abismo. A dor rompe cada membro comprimido. Outra bomba caiu precisamente sobre o corpo seco da mariposa. Queimamos juntos e as cinzas são amontoadas sobre o carpete e mais adiante. A mariposa nos olha e não sabemos como afrouxar o tronco sisudo da porta ou como romper com cada miolo de árvore quieta. e não é possível comunicar. Como então fugimos daqui? Olhamos o comprimento de escada diante da parede, a janela falsa aponta para uma clareira quase escura como o céu, mas quase não é possível sair daqui. E se rompermos o caule das plantas? Sem hesitar, o céu cobre as horas aquecidas pelo cometa, atravessamos o mural onde fervilham os olhos de todas as espécies um a um. Pode-se virar uma palavra de um lado pro outro e não há nada ali, nada pode ser deslocado se há um completo vácuo de sentido. Rompemos até chegar a uma pesada caverna. A mariposa já não tem pernas para andar, e muito menos nós. Depois que o cometa desceu, as malhas ressecadas da mariposa foram reduzidas a uma cinza espessa (granulosa e incisiva), os pés das pirâmides foram dobrados para dentro de modo que as pessoas pudessem passar sem enxergar por baixo do túnel o tempo passando, que era ruim e no entanto não poderia ser descartado em lixo comum (pois tóxico). Até o céu não podemos crescer. sentimos apenas fervilhar o poste até o mural. Ainda que a atmosfera tenha virado forno, nossos ossos estão tão frescos que poderiam ser apunhalados um a um. A fumaça esconde a origem. Agora a mariposa repousa quieta sobre uma batata no jardim. Cada pessoa que passa está tão viva e tão morta que nada na atmosfera consegue ajudar em uma recuperação sadia. Devemos aceitar todas as perdas, sem exceção? Naquela floresta enorme e sem caules (pois foram todos retirados por conta da metamorfose das ogivas), esperamos que eles tragam o presente satânico, cozinhamos os dentes com papoulas e fechamos os olhos para esperar  uma lágrima escura evapora antes mesmo de escorrer. A dor é um cálculo permanente. As palavras não traduzem dor alguma, não compõem uma sentença coerente, mas apenas se amontoam como broches, como conchas, como partes de carros quebrados, como fósseis de crianças. Sem contar a eles nós podemos amassar nossos próprios rins e misturá-los ao purê? Dois pêndulos caem desorientados, os olhos não saem de suas órbitas e as ondas de vento apontam um caminho. e não há um caminho, apenas as ondas de vento simulam um caminho. Um peixe pula da base e se suicida. Por que não pudemos chegar junto dela? atravessar o cesto com cascas? oferecer a mão suja de café? O olho azul registra peças daquele luar? Uma coisa infeliz rosna em meu colo/a morte é a coisa mais engraçada que já aconteceu. Todas as esperanças cínicas são renovadas após a destruição. um braço sem corpo acena alegre no meio dos escombros, uma perna sem tronco chuta um vaso de samambaia partido e se corta. e poças de sangue seco, e carcaças de crianças sonolentas. o que fazer com tudo isso depois de sonhar? o que fazer com tudo isso depois que a quimera se dissipa e o calor todo despenca junto com todas as palavras ao mesmo tempo? Um feto amortecido olha e sussurra um provérbio que ninguém entende. rompe o luar mais fraco e não permanece no mesmo posto (ninguém permanece). Torce isso, torce como um galho. não reduz a nova fumaça, não é isso. torce no olho. coloca uma fileira sem ondulações. Olhamos o palco vazio: mas então ninguém vai salvar ninguém? É isso mesmo? sim. agradavelmente a ostra responde do fundo menos sonoro do oceano que sim, é isso mesmo, uma gralha ou outra responde, um tufo de terra na parede resmunga que sim, a cobertura de mofo no lustre, os blocos de vento, os pólipos e as treliças. a nuvem de poeira é pouco a pouco dissipada para o oceano morto. um universo de cascas de besouro incendiadas, toda lágrima secou na atmosfera infernal e também os olhos esturricaram e agora lembram ameixas secas compradas a granel. deus olha tudo e acha bom.


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