segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Pantufas se foi



Pantufas se foi. Eu seguiria sem meu osso para procurá-lo, mas ainda não cresceu uma manhã, e eu não entendo como produzir um começo. Ele já deve estar perto ou longe? caminhei dezoito quilômetros na garoa florescida sobre a cidade. É ridículo demais, eu cabia em suas costas. meu amigo ainda não espera por mim? ainda que eu possa amar sua barriga? meu amigo me assusta quando não me espera. Ele me diz para ficar calmo, eu já disse que continuo apenas por um pontilhado fraco, quase no fim. posso cortar novamente suas unhas com calma, escovar sua crina macia pela manhã. Todos já morreram, eu fui o último que restou? O último de um bando disforme? Fortifico nossa casa. se você voltar, posso tricotar uma cortina, posso retirar os tijolos e lixá-los um a um, sem problemas, e posso limpar a mesa empoeirada. A árvore cresce para cima elevando também os fios de luz tão macios, agradáveis. Levo você até ali embaixo para ver os fios, você ronrona junto a mim, eu abraço você por inteiro, aperto sua barriga e mordo a pele fininha das orelhas. você apenas ronrona e ri até das minhas varizes. Não há mais lâmpadas em flor a serem acesas em um fio. Você torce meu pescocinho para me ajudar a continuar. Guarda minhas pedras em sua mochila pesada. Retorna minhas ligações do ano anterior. Me lembra todo dia, ao acordar, de que sou uma pessoa. Eu custo a lembrar. Com sono, encosto a mão em sua pata. Um mosquito pousa em algum lugar do cômodo. Eu observo sim, é claro. Ouço vozes de crianças me macetando. Não desejei feliz páscoa a ninguém. Eu acho que meu amigo está muito forte  ele conseguiria rolar comigo lá fora, brincar no pasto, incendiar qualquer um que se opusesse. Preparo os ovos desidratados para nossa próxima refeição. às vezes me perguntam se já estou dormindo. Saímos para mais um jantar logo depois de comer. Você pode me ajudar, você foi ensinado a roer. Roemos uma estrutura de aço inteira em poucos dias ou horas. Você puxa a abertura e me coloca como se eu fosse estar confortável. Eu finjo que estou e prossigo (não posso desagradá-lo, ele pode me deixar sucessivas vezes, para sempre). estoura uma lâmina no meu ouvido direito. não quero ter que recortar suas pálpebras, pois estou absolutamente sozinho e precisaria de alguma ajuda humana para resgatar. A vegetação é espessa, cai um pedaço antes de dormir. Faz sentido transitar aqui? Um olho em meu jardim pequeno, This coming gladness em meu funeral. Josefina entrega um buquê de qualquer flor ordinária que ela catou em um terreno baldio. Desejo então um bom dia a todas as coisas que acontecem, ao gato que olha e dorme, à pomba que se desfaz sobre a cama, ao arado tombado na porta, a esse desfiladeiro ao meu lado, ao demônio que me comunica quieto e deixa meus chinelos enfileirados para minha comodidade pela manhã. Agradeço a cada um individualmente, você me ergue do chão, estou encapsulado. Colocamos nossas capas de chuva, a minha está furada como uma peneira, a sua não chega a servir, mas fingimos muito cuidadosamente e saímos pelo meio do mato. Decidimos existir praticamente do nada! Uma coisa acontece, um céu muda seus contornos, sua base de sustentação. Eu rio de qualquer coisa parada. meu amigo salsichas devolve seu pequeno olhar para mim e eu desabo, choro durante setenta minutos e paro logo depois para escorrer o molho das lentilhas que já começam a brotar. Sento-me seco sobre uma coisa qualquer, paro de respirar por um momento e depois volto. Você era a única pessoa que compreendia meu sonambulismo crônico. Como prosseguir sem romper? Retiro alguma coisa que eu disse para fazer você voltar. Ele me olha fixo e diz: "você é meu companheirinho, você não é corajoso, eu também te amo, etc". Eu não consigo chegar a nenhuma parte de mim e nem dos outros. Eu posso tranquilamente desovar cada um deles, mas não você. Mas, e se você estiver certo? E se você esteve certo esse tempo todo e eu sou uma pessoa? Eu rio demais sem conseguir entrar no papel. Eu me lembro a todo momento e me canso, vou ouvir para sempre seu relinchar alegre. E cada vez que levantar da cama pensando em morrer. E cada vez que souber de uma coisinha no quintal, ou cada vez que começar a suspeitar. Agora estou sinceramente partido no meio. De onde vem esse prazer enorme em não pertencer? Duas cavernas se abrem na minha frente e eu entro na segunda. E se hoje digo a você que quero sair? Vamos até o ponto mais próximo, com certeza, a qualquer lugar em que a coisa esteja acontecendo. Ah, vamos sim... eu escovo os dentes maciamente enquanto espero, meu amigo traz toda a roupinha para que possamos sair calmos, indigestos. Você pode encaixar todo tormento em mim e me embalar como se eu fosse o seu tormento. Por todo o trajeto eu não penso que não vou me divertir, pois ele nunca está comigo por brincadeira. Eu celebro cada segundo, apenas me certifico de que meu cálcio esteja sendo absorvido lentamente, sem interromper. Porém, se não tenho mais imaginação, preciso ser levado ao outro lado contigo. Duas horas antes de receber a notícia, escrevi "Eu não posso vê-lo crescer. Eu já estou restrito a um outro universo". Que universo é esse? isso agora é fundamental. Se eu machuco a minha membrana no caminho, você interrompe comigo para reanimar. Volte e me ajude a cuidar por mais um segundo, antes que eu me esqueça! se eu pular fora antes do momento marcado, algo inesperado pode acontecer. Eu já estou pronto para decidir. Não há nenhuma opção no forno, e estou sozinho. Eu posso remar, mas preciso de ajuda, eu preciso que você me ajude a me mover para as próximas horas, senão não consigo definhar. Você não entende que por alguns dias sou incapaz de existir? Achei que você pudesse entender. Você não pode  como ele fez  me dizer que a maionese é uma bela comida, que as coisas são assim e assado, etc. Eu desafio qualquer coisa que possa estar chegando, você me incentiva a continuar sem osso nenhum, vê se pode! Incrível como nenhum osso. O trem está pegando fogo? Por que eu vomitava tanto? Acho que isso também eu nunca te contei. Éramos resolutos e infelizes. Você também pode supervisionar a minha barriga enquanto caminhamos no quintal. Eu deduzo que há uma terceira pessoa aqui conosco rindo por trás da minha cabeça, preparando o campo para me decapitar. Eu sinto e ele ri, ri por completo. Agora é como se todas as horas também estivessem dormindo, ressonando.