sábado, 23 de novembro de 2013

gato ou cachorro

 

Sem respostas.

O dia é cinza e perfumado

Dor nos ossos.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

domingo, 13 de outubro de 2013

Sobrevivência no escuro

 

Os dias nos derretem pouco a pouco. Iniciamos nosso ritual sabático que nos conduzirá a uma infelicidade mais suave e indolor que a habitual: espalhamos pedras pelo chão bruto, coletamos meteoritos numa peneira, vestimos os casacos nos sapos, arrancamos nosso pâncreas com um pegador de macarrão, fritamos os pâncreas das crianças e, durante todo o processo, nos esquecemos de que deveríamos ser felizes. Choramos pelos dias e horas que se desmancham e pelos sonhos atoleimados no quintal. É inevitável uma dose de comoção. Depois cozinhamos crânios humanos, flores incolores, pequenos repolhos, crianças antigas, sonhos enlatados, olhos e beiços azuis. Fazemos tudo isso pela nossa sobrevivência. Há pessoas que encontram a felicidade dentro da tristeza circundante. Nós simplesmente não fazemos ideia. Somos iguais a eles: não nos importamos em ser infelizes, por toda a vida. Repetimos para nós mesmos inúmeras vezes: a tristeza não importa, o que importa é o mundo: os carros atravessam sem pensar, as pessoas vivem e envelhecem, as árvores despencam com os temporais. Mais nada. Se há ou não relâmpagos, se as casas caem ou não dos barrancos, bem, então podemos começar a viver? Não. Não é possível realizar esta inferência. Tudo o que temos hoje para viver são as pedras, os meteoritos, os olhos azuis, deus e os demônios.

O que pesa para nós, em primeiro lugar, é a dificuldade das horas, das coisas, das pessoas, etc. Olho para as rachaduras da parede e sei que elas são difíceis. As pessoas são difíceis quando existem e caminham. Estabelecer ou aprofundar contato com elas também é difícil. A dificuldade ao longo de milênios, juntamente com os fracassos e as perdas, cristaliza-se em pedras. Os demônios nos oferecem resistência e consolo diante das pedras. As pedras são nossas escolhas mal feitas. Mesmo quando muito antigas, elas incidem sobre nós por toda a vida. As pedras depositadas no jardim, ao contrário do que pensam as pessoas, não são tudo o que há, mas apenas uma espécie. Pois há também os meteoros e os meteoritos, que são pedras cósmicas. E há também as pedras radioativas e cancerosas sobre nossos ombros. E também as pedras vulcânicas esfuziantes. E também as pedras submarinas, salgadas e desbotadas. E há também pedras vulcânicas submarinas, que não existem, embora sejam possíveis. Por exemplo: quando há pedras sobre nosso peito, mal conseguimos respirar. Nos lembramos daquele lugar, daquele lugar lá no alto, mais uma vez, mais uma vez. E não adianta pra nada. Quando estamos inquietos ou desesperados, presos sob uma rocha, os demônios nos ligam de madrugada, e suas vozes etéreas adentram com facilidade nossa cabeça oca. Eles nos dizem com suavidade: “fuja, fuja para sempre. Esqueça, esqueça para sempre. Corra apenas atrás do que você acredita”. Então respondemos em prantos que não acreditamos em nada, ao que eles replicam: “Corra apenas atrás do que você não acredita”. Decidimos não correr e aceitamos, relutantes e sonolentos. Então dormimos e, ao descermos ao inferno, respiramos melhor. Morremos por algumas horas, e a casa, que normalmente é um marasmo, torna-se quase tolerável. É quando recebemos a visita dos meteoritos, que são a esperança morta e cintilante no céu. Dentro do sonho as coisas explodem com maior intensidade. Tornamo-nos uma só pessoa e enfrentamos a realidade de modo certeiro e impreciso. Essa única pessoa desabafa sem pudores: por que não sei reagir aos cometas? Por que não sei caber nas situações dos outros? Por que ainda penso que preciso de um estopim? Por que os anos passam e, no entanto, não saem de mim? Pois bem. Há várias respostas possíveis. Trabalhamos com várias possibilidades, e nenhuma delas é possível. Depois de tantos questionamentos, sonho por um instante com as coisas como elas deveriam ser e, quando acordo, despenco novamente para a realidade velha e lascada de muitos eus. Quando nos damos conta de que já não estamos mais dentro do sonho, lamentamos e imploramos para que nos deixem estar calmos e sonolentos, pois já estamos pagando pelo que fizemos. Estamos permanentemente em estado de desconforto profundo.

Não há comunicação possível. Ele nos deixou abruptamente, sem respostas. Ele nos olha e diz: fodam-se! E no fim das contas está certo! Por deus que ele está muito certo. Pergunto-lhe: onde você se meteu? De novo: onde você se meteu? De novo. E ele continua certo, para sempre. Certo dia bebemos um chá tão rosa, tão magenta, tão vermelho. Depois houve o dia em que o frio era intenso e as risadas nos faziam esquecer que havia o mundo. Tremíamos de felicidade e, contudo, não éramos felizes. Ainda bem que hoje os dias por lá estão altos e com sonoridades sofisticadas. Ao menos é o que se espera. Retorno o telefonema que não recebi e digo-lhe: por que o vinho e o livro? Não obtenho resposta. O livro nos diz que não há e nunca houve esperança. Mas já sabemos disso há tempos. Pergunto-lhe em seguida: o que se pode dizer sobre estar frio e já ser outubro? Ele diz: foda-se. Sorrio e volto aos meus afazeres. Preciso terminar de decepar a cabeça das galinhas e das crianças. Faço tudo com tanta doçura que até parece que estou dormindo. É um dos raros consolos que tenho, pois os dias seguem mais esqueléticos que meus ossos engordurados. Os dias são esqueléticos e somos incapazes de viver em sociedade. Indignamo-nos com deus e o mundo, e estamos atravessados de uma ponta a outra pelo silêncio. Como podem os tumores, ao crescerem, serem um “outro” e, ao mesmo tempo, nós mesmos crescendo dentro de nós e cheio de nós? Revoltei-me com deus e o mundo quando vi que seus tumores espalhavam-se por dentro e por fora, causando-lhe dor insuportável e obrigando-lhe a enfrentar a frieza de uma família podre como nem mesmo um cadáver consegue ser podre. E é completamente impossível que deus possa existir. Mas isso todos nós em sã consciência já sabemos. Não faz sentido existir deus nem nós. Deus, você que é uma estátua morta e lascada, por favor, sente-se conosco. Conte-nos sobre todo o sofrimento humano desde o início da história da humanidade, todo o sofrimento que você assiste com olhar sádico e sorriso malicioso, sem fazer nada. Deus, o altíssimo deus, spangle maker, esqueceu-se de nós. Esquecemo-nos dele antes. Deus é um torturador, ele vive à base de sangue coagulado e grão de bico. Deus é uma farsa tanto quanto nós. Por favor, venha até nós, abençoe nossas barrigas oleosas, abençoe nossa ignorância infinita, por favor, venha até nós em forma de neblina. Tenha piedade do deserto glacial infinito dentro de nós. Por favor, venha e sente-se ao nosso lado. Conte-nos todas as mentiras de que precisamos para sobreviver e, quando finalmente pudermos viver, conte-nos as verdades. Venha até nós transfigurado numa salvação alegre, num tronco de árvore alegre, numa criança decepada alegre, num passado vertiginoso alegre, num reencontro com defuntos alegre. E perdoe nossa falta de bom senso, de sanidade e de coerência para nos expressar.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Finally we are no one

 

Olharam-se por um átimo de segundo antes de consumarem juntos o ritual. Naquela época, ainda não sabiam que o tempo passava, e que o passado mal digerido criava bolhas por dentro do corpo que explodem e ardem com certa regularidade. Que bom, porque o futuro estava por fazer. A verdade é que eles eram cúmplices desde muito cedo. Depois de anos, no dia e hora marcados, eles se encontraram para realizar aquilo que vinham planejando com bastante minúcia: pular do telhado com alegria. Era um dia tão forte e alegre que se duvidava inclusive que era dia e tinha sol e era alegre. Pombas gordas de sangue escorriam pelas ruas, árvores murchavam quietas em depressão e pessoas andavam pelas calçadas sem saber absolutamente nada de nada do mundo e da vida. Ela era magra e tinha olhos puxados. Ele era branco e levemente roliço. Aquele era um dia de muita alegria, com certeza. Seria essa, de modo cômico ou grotesco, a redenção? Eram sete horas da manhã, hora de tomar uma atitude drástica e irracional. Deram-se as mãos e pularam. Ele quebrou um fêmur. Ela, duas costelas e um braço. Saíram caminhando pela rua como se nada tivesse acontecido, quase roxos pela falta de ar decorrente mais de um ataque de riso do que propriamente da queda. Eles nunca mais conseguiriam controlar o riso. Era engraçado demais que após uma vida de sofrimento as pessoas apodrecessem e deixassem de existir. Era de um mau gosto tão cáustico e insuportável, que era preciso muita mitologia para encobrir uma verdade tão drástica como essa. Mas morrer não seria o final mais alegre e grandioso? Sim. Mas ainda assim era feio, sujo, incômodo, ilógico. Ainda bem que poderiam viver sem ver a verdade. Não era suficiente adquirir ilusões, era preciso vivê-las, transformar a realidade cinzenta numa grande mentira cheia de amor e doçura, uma peça de teatro de baixa qualidade. Nessa peça, as pessoas entravam e saíam da nossa vida e sabe deus pra onde iam, e sabe deus pra onde nós íamos. Não havia sentido na superfície das coisas, e muito menos no interior delas. Poder-se-ia tomar sorvete com aquelas pessoas? Nossa, mas claro que com certeza que sim. Poder-se-ia adentrar suas vidas medíocres, para que pudéssemos esquecer por um instante de nossa própria mediocridade? Claro, pois certamente. Mas apesar disso, eles optaram por outras aventuras. Como ainda estavam vivos, decidiram passar o dia temperando as aftas da boca com sal e limão, fritando bifes e vendo filmes lentos e interessantes. Assim que anoiteceu, decidiram atear fogo em seus cabelos. Fizeram isso ao ar livre, num local com pouca iluminação, e que baita espetáculo pirotécnico que sucedeu-se. Depois, com o cérebro em cinzas, saíram pela rua cantando alto as músicas que os fizeram ser quem eram. Depois conversaram sobre extraterrestres e clamaram por uma abdução alienígena, que infelizmente não viria a acontecer. Também lamentaram a idiotice das horas e dos dias e levaram um susto: os dias eram tão, mas tão idiotas, não havia o que tirar nem por. As pessoas, tão hipócritas, procuravam a salvação nas coisas mais sobrenaturais, sem saber que, se a salvação era possível, só podia estar no sexo e no silêncio. A carne é que precisava urgentemente ser salva, pois é só o que somos, carne, sangue, angústia, fome e silêncio. Por isso as pessoas estariam para todo sempre vazias e carentes, com a ilusão de que seriam eternamente nutridas por um ser espiritual. E mais e mais elas socariam seus impulsos para dentro de si mesmas, até adoecerem e emudecerem diante da descoberta de um câncer terminal. Oras bolas. A coisa mais misteriosa que havia, que era a realidade, não tinha mistério algum. Não dava pra mudar nada. Só a morte mudaria. Até lá, a vida seria uma planície esburacada, cheia das crises mais fundas e infundadas. Assim, eles se viram diante de apenas duas possibilidades, tendo já descartado a hipocrisia da busca espiritual: poderiam afundar-se no nada, como bem faziam os monges, ou poderiam afundar-se em alguma imbecilidade mais concreta, como fabricar cabides ou dissecar sapos. Mas havia também o amor. O amor era líquido, e também podia ser sólido. Mas eles eram neutros. Eram neutros quando eram crianças e ficavam escondidos dos outros no recreio. Eram neutros na adolescência quando, ainda escondidos dos outros no recreio, trocavam impressões virtualmente sobre o mundo caótico dos humanos e sonhavam com um futuro cinzento e insosso. Naquela época, o mundo ainda tinha algum brilho, e as pessoas ainda existiam. E agora adultos eles estavam obcecados pela neutralidade. Já quase não conseguiam mais ver as poucas cores que os circundavam no passado, só podiam sonhar com elas e, eventualmente, escrever textos desinteressantes e dispensáveis se queixando das lâmpadas que continuavam queimadas dia após dia e relembrando o tempo em que possuíam um ao outro, e, sem saber, também o mundo.

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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Quatro pequenos fluxos amorfos


I
 
Os dias amassados cintilavam, as noites passavam rápidas sem ter acontecido nada, e não havia esperança possível. Crianças despencavam dos abismos junto com os carros, os lustres trêmulos, os crânios e os defuntos amarelecidos. O tempo passa e despencamos de nós mesmos de tão velhos. Nas cavernas o conforto é infinito: somos abraçados por pequenas cobras brilhantes que rastejam por todo canto e dormem na pedra conosco. A linguagem cria uma nova escuridão para nos contorcermos. Eu amo você, vou ficar ao seu lado, vou te abraçar com seus próprios braços, e você terá amor infinito. O que é que não vai bem, além de tudo? O que há com você que não pode ser estilhaçado sem muitos prejuízos? Deixemos de lado as perguntas. Venha cá e deite-se comigo, vamos olhar as estrelas inexistentes no teto escuro. As palavras não têm absolutamente nenhuma serventia. Mas venha cá e me abrace, se abrace a si mesmo. Sinta o ar se tornando menos tóxico, as crianças rolando pelas pedras morro abaixo. Você terá amor infinito. Não há respostas nem perguntas.
 
II
 
As cobras brilhantes nos amam diretamente dentro de nossos olhos. Não suportamos tanto amor, somos insuportáveis de tão amargos. Larvas e vermes dentro de nós aguardam ansiosamente pelo grande banquete final, e nós também. Pelo dia em que nos tornaremos verdes, nossos olhos explodirão das órbitas, e os lábios em decomposição revelarão pela primeira vez um sorriso consistente. O tédio futuro, como o presente, será infinito. Por ora nos contentamos em desaparecer dentro das cobertas. No espelho vemos um contorno sem recheio, e o tempo desintegra as coisas que poderiam estar sendo. Venha e sente-se ao meu lado um pouco. Vamos pensar sobre o mundo em que gostaríamos de estar existindo. Onde os crustáceos fossem livres para caminhar pelas ruas. Onde pudéssemos, na plenitude de nosso desapego, comer almeirão todo dia. E onde os dias não fossem tão tétricos, não tanto quanto nossos sorrisos tão tétricos. E as memórias fossem leves como um pequeno embrião abortado. Com certeza que a vida seria tão alegre que as palavras escorreriam de todos os nossos orifícios, encantaríamos as pessoas com os melhores discursos sobre os mais refinados assuntos, como ostras e bolor. Chegaríamos tão no topo da felicidade que isso seria a morte, e não adiantaria de nada. Mas não pensemos em mais nada por enquanto, venha e sente-se ao meu lado.
 
III
 
Fora do absurdo só resta a morte certa. Por isso vamos imaginar algo capaz de nos manter afastados da realidade. Olhe para o céu escuro e pense em explosões solares, em acidentes aéreos e em naves extraterrestres. Quando escrevemos, tapamos os buracos com uma massa provisória que logo no dia seguinte já descolou. Não tem importância, escreve-se novamente. Olhe para mim e não me veja. Se me viu, olhe novamente para mim e não me veja, repita o mesmo procedimento infinitamente. Tudo se torna mais e mais complexo a cada dia que passa. Chegará o dia em que a complexidade será tanta que não conseguiremos nem mesmo entender que não entendemos. A complexidade será incomensurável consigo mesma. Esse será um dos eventos mais extraordinários do universo, mal conseguiremos relatá-lo. Por isso vamos esquecer um pouco da complexidade das coisas e vamos tão somente fritar um ovo ou sair para comprar meias. São pequenas atitudes como essas que nos salvam. Que nos salvam do passado mal vivido, que nos salvam dos traumas grotescos, daquele dia em que, no escuro, tivemos mais uma desilusão. Não pense, não pense para sempre! Esqueça, esqueça para sempre! Encoste-se em mim e mantenha a calma. Ainda se é jovem, poderia ser pior. Ainda se está vivo, poderia ser pior. Ainda há chá e café no armário, poderia ser pior. O pior não é o passado, nem de longe. O pior é o que está por vir. Vamos rolar juntos pelo chão e esquecer de tudo, menos dos sonhos sem sentido, como aquele em que um cachorro azul latia incessantemente, e que nos aterrorizou até os ossos porque se tratava do próprio demônio em formato de cachorro.
 
IV
 
“Se oito mil dias pesam como uma bigorna, então espere só mais dez anos para ver como será”. Há um deus com um humor negro refinadíssimo que me diz essas coisas o dia todo. Estou cansado e nem ouço mais. Na verdade, só dou ouvidos aos demônios, que são sempre muito prestativos e me auxiliam nas tarefas de rotina. Acordo todos os dias muito cedo para cumprir uma espécie de ritual: trocar lâmpadas fortes pelas queimadas, varrer cacos de cerâmica para debaixo dos tapetes, ferver água para o café até evaporar, ferver água novamente, cortar os pulsos com espátulas, etc. Depois o dia está aberto para o que der e vier. Podemos nos sentar e pensar sobre os fracassos? Mas é claro. E sobre o passado que deveríamos refazer? Pois melhor ainda. Temos de cuidar para não nos lembrarmos que, enquanto estamos lamentando o passado, acumulamos ainda mais tempo para se lamentar sobre. Colamos bilhetes pelas paredes para não nos lembrarmos disso. É preciso viver com muito cuidado, sem chegar propriamente a viver. Que há no mundo de mais maravilhoso que as oportunidades que não se concretizam? Precisamos nos livrar de pensamentos como esse. Vamos pensar seriamente sobre viver de alegria. Vamos perceber que o problema maior não é a falta de sentido da vida, pois há pessoas que vivem muito bem no interior da falta de sentido. Prazer e dor se confundem em tudo o que existe na face da terra. Há dias em que a alegria é cheia de agonia e a tristeza cheia de doçura. O amor é tão doloroso quanto a falta dele. Seria isso a falta de sentido? Não há como saber. É preciso amar as pessoas, especialmente aquelas que sabem que não há conforto possível na vida, que “ninguém descansa em cadeira de dentista”. Temos compaixão por elas e por nós mesmos. E também temos ódio e rancor por nós e por todos. Nada adianta para nada: pensamos sobre várias coisas e nada adiantou para nada. Fizemos tudo errado. Levamos tudo a sério demais. Não conseguimos nos salvar. Nossa missão para sempre impossível: salvar quem não quer ser salvo. Venha cá e me abrace novamente. O céu está altíssimo e não há sombra de dúvida. O sol está altíssimo e nós irreconhecíveis. Deixemos de lado as palavras toscas. Venha cá e me abrace. Vamos partir em segredo dessa para uma melhor.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Constelações no escuro

 

O que somos nós além de um sonho ao avesso? Até mesmo uma investigação pouco cuidadosa poderá dizer. Desde que estejamos dispostos a enfrentá-la. Tal investigação poderá mostrar com coerência, no fim das contas, que não somos mais nada. Mas se, por respeito ao passado, não aceitamos essa resposta, precisamos encontrar um modo de raciocinar que nos leve a concluir que ainda somos alguma coisa além de um sonho ao avesso. Para isso, precisamos paralisar o espaço-tempo. Sim, pois como poderíamos continuar intactos se o tempo está nos comendo vivos? Pois bem. Depois, precisamos aglomerar em uma vasilha todas as fatias de progresso que acumulamos mediante o sofrimento. Por exemplo, uma crise soluçante de choro madrugada adentro precisa significar alguma coisa, ainda que no fundo não signifique nada. Depois, pousamos os braços sobre a mesa e refletimos com os olhos cansados, e nada exprime melhor o tamanho do sentimento do que nosso olhar de cansaço. E as horas que continuamos cultivando como que por mágica. Olhamos para o que restou de nós em um espelho quebrado: vemos um sonho póstumo. O absurdo que paira sobre nós não é tão diferente de todos os absurdos que nos atingiram ao longo da vida. Como as mais variadas relações que enferrujaram sem motivo aparente. Não somos tão diferentes assim das outras pessoas. As pessoas começam a produzir algum efeito sobre nós quando já estão mortas, como o brilho das estrelas mortas que chega até nós com inúmeros anos-luz de atraso. Nossa maldição é que, enquanto estamos iluminados pelas estrelas, não as enxergamos. No céu mais escuro, elas se tornam mais visíveis, porque já não existem mais a não ser em formato de memória. Por isso é que continuamos brilhando, mesmo depois de mortos. Opacos, esverdeados e trêmulos, somos quase invisíveis. Mas suficientemente visíveis para sermos insuportáveis, para nós mesmos e para os outros. Mas isso tudo é tabu. A mágoa e o passado nos unem com amor. O fio que nos pendura juntos é um fio muito precioso de rancor. Depois de anos de luta atingimos uma espécie de equilíbrio. Mas é justamente ao se equilibrarem que as coisas caem. O silêncio tornou-se uma obsessão, o tempo corre desesperado como insetos pela parede. E o sonho ao avesso, o sonho ao avesso e o sonho ao avesso. A verdade é que dormimos demais ao longo desses anos, somos dorminhocos compulsivos. E ao acordar reclamamos por não termos vivido sequer uma gota durante o sono, o que é tão óbvio que chega a ser medíocre. O ar tornou-se intolerável: arfamos desesperados. O momento da salvação passou. Os dias continuam atropelando uns aos outros enquanto esperamos pacientemente, mas com alguma angústia, por um estopim, e ao mesmo tempo tememos o estopim tanto quanto tememos a morte, a morte que secretamente desejamos. Desejamos que ninguém nos veja, quando na verdade não somos mais vistos, o certo seria desejar a visibilidade. O estopim confirmaria que estamos certos, e não queremos estar certos, queremos que a verdade nos desafie. Estar certo requer responsabilidade, e somos crianças grandes, não sabemos o que fazer de nós. Somos crianças afundando em um pântano, com insetos presos em nossos cabelos. Estamos entranhados um dentro do outro, somos tão drásticos quanto a solução de que necessitamos. Tão cobertos de irrazão que já não conseguimos enxergar razão em ninguém nem nada no mundo.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Coisas e lembretes

 

Horas mofadas, passado mofado, morte em vida, silêncio de gelo, profundidade sufocante, sem respostas nem perguntas, nenhuma explicação para nenhum enigma, falta de coragem para aceitar a falta de sentido, viver por obrigação, esperar ansiosamente por melhoras súbitas, vagar sem consciência pelos cômodos,  sonhar com as feridas abertas, tapar feridas com inércia e sonolência, fingir-se de planta, balançar o tronco como uma palmeira, emitir grunhidos como uma palmeira, sorrir falsamente diante dos outros, ler notícias de desastres, lamentar a própria incapacidade de acreditar em fantasmas, criar os próprios fantasmas dentro do quarto, telefonar para fantasmas, etc. Surpreender-se a cada momento com o próprio passado, aceitar o fracasso como uma bênção, pensar em cigarros e não fumá-los, pensar em pessoas e não procurá-las, pensar nas cartas por escrever e não escrevê-las, pensar na vida e não vivê-la, pensar na morte e não morrer. Refazer todo o percurso mentalmente, analisar cuidadosamente as rachaduras, trocar lâmpadas fortes pelas queimadas, desejar com força o milagre que não vem, encontrar sentido no passado, engolir memórias cáusticas, engasgar-se com o passado mal digerido, aguardar a visita de extraterrestres, comparar o próprio fracasso com o dos outros, apaixonar-se pela mesquinhez dos outros, acostumar-se com a própria mesquinhez, amar os pobres de espírito, sentir-se nauseado na presença de pessoas otimistas, esperar pelo futuro sem fazer nada, esconder-se de si próprio, sonhar com rostos inexpressivos, temer a velhice mais do que a morte, viver o caos e a mudez, respirar no escuro, superficialidade em cada atitude, silêncio aconchegante, horas e dias pela frente, mofo e promessa, palavras vazias, nada para viver ou fazer, afugentar a angústia com xícaras de chá e café.

sexta-feira, 29 de março de 2013

dificuldade

 

Como acordar a si mesmo para o mundo e para as coisas, pessoas, pedras?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sobre o cansaço

 

Os demônios são como amigos ou parentes, só que eles vivem conosco em nossa casa. Estão ao nosso lado. Abrem ou fecham uma porta para nós, eles não permitem que esqueçamos de nossa podridão e da podridão do mundo. Por vezes, eles auxiliam em alguns trabalhos domésticos. Corrigem uma rachadura do teto, trocam um vidro quebrado, varrem um aglomerado de poeira para dentro da lixeira. Às vezes, quando não têm mais nada pra fazer, eles riem tanto de nós que chegam a ficar sonolentos e depois dormem durante dias, exaustos. Cada um possui uma cama, mas é sempre uma cama invisível, que paira sobre nós quando dormimos. Depois eles acordam e sussuram em nossos ouvidos sobre como corpos jogados em rios apodrecem rapidamente, e como crescem as ervas ao lado dos rios, e como depois as pessoas bebem a água e contraem infecções das mais diversas. Eles insistem em nos lembrar que não há razão alguma para absolutamente nada do que fazemos. Desde quando acordamos e pisamos com os pés mornos nos chinelos até quando anoitece, cada pequeno ou grande evento é vazio. Se ao invés de caminharmos até o banco ou a padaria, optamos por esfarelar um bloco de isopor ou esfregar os azulejos da cozinha, isso não faz a mínima diferença, para nada. Eles não nos deixam esquecer, a todo instante, que a vida podia ser diferente. Embora essa informação escorra por nossos dedos – não sabemos como utilizá-la. Ou não queremos utilizá-la. Tomamos café com eles enquanto rugas muito impercepíveis brotam na nossa cara. O mais interessante ocorre quando dormimos: eles entram em nossa cabeça e nos fazem ter um sonho dentro de outro sonho dentro de outro sonho. Hoje, por exemplo, eu sonhei que estava viajando de ônibus, mas acordei dentro do sonho e percebi que na verdade estava voltando de carro, e então acordei novamente dentro do sono e eu estava na casa de uma velha que não conheço, mas que é da minha família. Então minha mãe disse: amanhã continuaremos nossa longa viagem. E foi então que eu acordei de todos esses sonhos, e eles foram tão vagos e terríveis que só mesmo um demônio poderia tê-los produzido.

Os demônios são humanos mais antigos que os próprios humanos. Por isso a respiração deles é mais lenta e pausada, quase não conseguimos sentí-la, a menos que estejamos muito angustiados. Quando nos angustiamos e emitimos um grunhido ou um gemido, é sinal de que eles estão por perto, olhando por nós, chorando por nós. Quando silenciamos – o que fazemos o tempo todo – eles se afastam entediados. Os únicos responsáveis por cultivá-los somos nós mesmos. Eles não se alimentam de nossos sentimentos, mas da razão. Eles são famintos por racionalidade, nos forçam a enxergar conexões pouco visíveis entre fatos, pessoas, lugares, animais, móveis, insetos, drogas, lagartas, etc. Quando eles estão por perto, simplesmente esquecemos que já vimos um filme e o vemos novamente. Esquecemos que já conhecemos uma pessoa e acabamos conhecendo-a de novo. Esquecemos que já sofremos por um evento passado e passamos de raspão por ele, sangramos até os ossos simplesmente por termos esquecido. Quando eles estão entediados, eles produzem artesanato com os fios de cabelo que perdemos por aí. O que importa nessa história toda é que, como sempre ao nosso lado, eles impedem que saltemos da janela ou algo do tipo. De certo modo, devemos nossa vida a eles. É por isso que nada muda. É por isso que não conseguimos dormir de olhos abertos. É por isso que temos pesadelos com aves e espíritos. É por isso que não conseguimos mais dormir. É por isso que a vida parece apenas um prolongamento da morte que ainda não veio. É por isso que não conseguimos escrever sobre o desinteresse em escrever. É por isso que somos invisíveis e é por isso que a invisibilidade não é confortável como um prato de comida quente. E é por isso que precisamos planejar em segredo um plano para nos livramos deles. É por isso que nos transformamos em arbustos e estamos com os dias contados.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cabides

 

Meu deus, qual o fundamento de todas essas pessoas que andam na rua?

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O silêncio não é o fim

 

Pode-se aprender a cavar túneis no silêncio.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

 

It's not meant to be a strife, It's not meant to be a struggle uphill. It's not meant to be a strife, It's not meant to be a struggle uphill. You're trying too hard: surrender, give yourself in. You're trying too hard. You're trying too hard. It's not meant to be a strife. It's not meant to be a struggle uphill. Sweetly. It's not meant to be a strife. To enjoy. It's not meant to be a struggle uphill. It's warmer now, lean into it, unfold in a generous way, surrender. It's not meant to be a strife. It's not meant to be a struggle uphill. Undo, undo. It's not meant to be a strife. It's not meant to be a struggle uphill. I'm praying to be in a generous mode. The kindness kind, the kindness kind. To share me. Quietly ecstatic. It's not meant to be a strife. It's not meant to be a struggle uphill. Undo, undo. If you’re bleeding, undo. If you’re sweating, undo. If you’re crying darling, undo, undo.