Sem saber como começar a dizer tudo, ele simplesmente exclamou apático: “mas que belo dia agora que está acabando”. É claro que ele foi rude, pois eles haviam passado o dia juntos. A verdade é que eles se amavam tanto que a única saída para tanto amor era a morte. A morte seria capaz de fixar o amor como uma verdade eterna e imutável, mas não a vida. Conforme seguiam o fluxo da vida, cada um em seu barco lascado, eles sabiam que poderiam ser separados por ventos que sopravam fortes e confusos, de todos os lados e sem direção definida. Por isso, tudo o que tinham, além do passado e das memórias, era o momento presente, que tremia de ansiedade e desespero. Enquanto fossem jovens, eles seriam ansiosos e desesperados, e só seriam apaziguados quando ficassem acostumados a viver e a envelhecer. Era muito difícil engolir que não havia resposta para nada que acontecia, que as respostas deveriam ser inventadas, e eram sempre póstumas e muito ruins. Deveriam contentar-se, portanto, com a falta de sentido em tudo o que faziam ao longo dos dias, desde botar uma xícara de molho na pia, até começar uma discussão por causa de um cabide ou de uma lâmpada. A vida era tudo aquilo que havia entre aquelas paredes, podia-se livremente cozinhar uma sopa sabor glutamato monossódico ou abrir e fechar uma gaveta. Atividades como essas faziam com que um dia passasse e viesse outro, idêntico ao anterior. Depois os dias ficavam desenfreados, atropelavam-se uns aos outros numa corrida rumo a lugar algum. Quando uma carta chegava, eles não sabiam de onde ela tinha vindo. Se eles eventualmente parassem para contabilizar os anos que os constituíram, o que descobririam? Que os anos eram feitos de unhas roídas e todo tipo de fluido corporal? Pois de que adianta contabilizar o que passou, embora seja só o que nos reste? De que adianta pensar sobre o que adianta e o que não adianta? É preciso coletar os dez mil eventos diários totalmente insignificantes e salvar-se neles. A salvação só pode estar na calda do pudim que não deu certo ou na parede escura de mofo. Além deles não há mais nada, só nossa cara de espanto diante do futuro que vem rápido para engolir a nós e nossas memórias que são só nossas.