Cada dia em que começamos a existir, a radiação eletromagnética é inutilmente duplicada e atravessa nossos corpos de uma ponta até outra. Se a roda gira em sentido contrário, então por aqui não podemos passar. O rio está empedrado, cristalizado e morto. O teto está todo coberto com coisas que amamos e deixamos desaparecer. Por aqui não podemos passar. Ali no fundo eles nos olham, sempre opacos e enigmáticos. Corremos por um pontilhado no chão e chegamos até uma urdidura onde as coisas então acontecem. Sentados sobre o caos e olhando, o mundo passa mais rápido. O tempo nunca passa. O mundo sim.
Trazemos para o colo morno os quilos de plantas que antes mergulhamos em um banho suave para um cozimento lento e hipnótico. Quando o tempo quebra, é o som dos galhos secos em delicado incêndio. Pelo pontilhado chegamos a uma área onde as coisas despencam em um vácuo que passa despercebido. Quebramos esses galhos – e ali mais no fundo, enquanto a redenção não chega. Alguns galhos tombam queimados, outros apontam em riste para todos os pontos que as dimensões de uma floresta são capazes de sustentar. Temos de quebrá-los para continuar a travessia que não queremos percorrer. Por aqui não podemos passar. O único modo de partir os galhos é com as mãos secas, e refazer todo o percurso. Vamos adiante, quebrando aqueles galhos? No quintal? Na floresta? Vamos adiante, não olhe para mim: o vento. Uma ostra em cada olho. Vamos, me ajude! Rompa os galhos, aqueles galhos ali em cima, aqueles galhos mais no alto. Não! Não dentro dos ossos! Por deus que não... Ali no alto, sim, isso. Os galhos sim, os troncos não! (afinal, quem pode ser amado no interior de um tronco?). Os galhos mais frágeis (os galhos são a própria floresta existindo em flor suave).
Da radiação escapa uma faísca que incendeia nossos cabelos com muito cuidado, e confundimos o calor excessivo com uma enorme doçura que ganhamos mesmo sem merecer. Com o cérebro em cinzas, adormecemos durante seis dias e temos catorze sonhos muito saudáveis com: ostras em lata, gatos vazando sangue, barrigas abertas em formato de “U” que ninguém se dispõe a costurar, crianças carregando gansos pelo pescoço, possibilidades fechadas, pessoas rindo sem posição numa mesa, etc. Depois de seis dias acordamos e, diante do espelho, enxergamos a resposta estampada na testa: nós passamos sempre, até o ponto em que nos tornamos um outro. A informação assusta – rimos de nervosismo e alívio. Daqui é impossível proceder, mas também uma solução pode brotar incólume (especialmente para nós, que sempre nos recusamos a ter uma vida além da nossa). Agora o conforto cresce dentro do silêncio como um bolo no forno. A festa logo atinge seu ápice. Já quebramos todos os galhos possíveis e, antes que os outros cresçam, dobramos as camadas de água morna por um perfume que preencha de uma só vez as horas insossas, mas sempre em silêncio: Jasminum (em silêncio), Melissa (em silêncio), Matricaria (em silêncio), Camellia (em silêncio), Rosmarinus (em silêncio), Malus (em silêncio), Illicium (em silêncio), Humulus (em silêncio), Hypericum (em silêncio), Lavandula (em silêncio), Cymbopogon (em silêncio). Cinnamomum (em silêncio), Elettaria (em silêncio), Zingiber (em silêncio), Vanilla (em silêncio), Hibiscus (em silêncio), Syzygium (em silêncio), Laurus (em silêncio). Fim.
Tivemos um grande momento rodando por esses arbustos mais altos. Aliás, foi o melhor momento que já conhecemos, por isso agradecemos-lhes: obrigado por nos fazer afundar – nos lodos mais mórbidos! Por deus do céu... Obrigado. Seguramente o momento mais agradável que conhecemos foi todos eles rindo e dançando conosco em nosso inferno, e a festa foi simplesmente exemplar. O dia de hoje termina e a radiação toda diminui após penetrar cada poro, cada célula, cada vaso, cada gérmen de tumor. Amanhã o procedimento recomeça. Esperamos ansiosamente com olhos úmidos que mal se fecham de tanta interrogação.
Tivemos um grande momento rodando por esses arbustos mais altos. Aliás, foi o melhor momento que já conhecemos, por isso agradecemos-lhes: obrigado por nos fazer afundar – nos lodos mais mórbidos! Por deus do céu... Obrigado. Seguramente o momento mais agradável que conhecemos foi todos eles rindo e dançando conosco em nosso inferno, e a festa foi simplesmente exemplar. O dia de hoje termina e a radiação toda diminui após penetrar cada poro, cada célula, cada vaso, cada gérmen de tumor. Amanhã o procedimento recomeça. Esperamos ansiosamente com olhos úmidos que mal se fecham de tanta interrogação.