quinta-feira, 12 de março de 2015

Saída de emergência



1. Antes

Ontem acordamos em um buraco que um sonâmbulo cavou em segredo. Ele disse: não estou interessado. Depois disso o planeta caiu/o sangue coagulou. Ele estava no vento/passava no rosto um tufão. O ar na praia também é salgado. Os corpos emboloram na calçada. Trazemos os cadáveres para o berço/cobrimos com um pano sujo o balcão onde os ossos perdem sozinhos a poeira. A secura do dia levanta como uma tosse. A música que vibrava no ônibus que tremia. Ele disse: o ar na praia é salgado e o tufão (conforme o vento venta). Respondemos: moramos na praia e nossa casa está rachando. Começamos, enfim, a apalpar a realidade sem pressa. Um amor pelas coisas e pessoas infelizes que cresce até não poder mais. Sentamos por um instante e observamos os detalhes de um corpo vivo que envelhece. Os cabelos frágeis se desligam do couro e planam durante segundos no ar pesado até caírem numa velocidade inferior à da gravidade. Os fios soltos compõem um mosaico desafinado no chão. Cobrimos o marasmo com nossos finos fios de cabelo inutilizados. Rompemos os anos num piscar de olhos. Nenhuma vontade é maior que a de morrer sem se reconciliar. Não entendemos nossa própria linguagem e nem a dos outros. 

2. Depois 


Cavamos um túnel no quintal e escapamos ainda com a poeira do fracasso colada à retina. Nos espatifamos em ostras sonolentas (o instinto de sobrevivência ordena que afundemos antes que o assoalho esteja coberto por fios em silêncio). Cavamos um buraco onde plantamos os destroços, que nem sequer precisam de adubo para brotar. Não tememos mais as memórias cáusticas, o tempo passando, as cavernas tumorais, etc. Por um átimo de segundo olhamos para trás e a massa morna se aproxima em passos suaves, quase sem peso. Ele nos olha deitado. Nós o esmagamos. Nada deu certo. Nós o esmagamos. Olhos amarelos nos olham. Nós o esmagamos. Nós temos de perder. Depois as coisas se amontoam insones e piscando sobre a sombra redonda. Não entendemos. Trocamos a comida de filhote pela de adulto com a esperança de que ele cresça mais rápido e não precise sofrer. Os olhos amarelos agradecem mudos e também umedecem. Vamos embora sem dizer uma palavra sequer. Cortamos os ombros, as cebolas, os eclipses, os rostos suaves e sérios. Não sabemos como viver desse ponto em diante. Os olhos amarelos ficam pequenos no horizonte, porém não somem. O cheiro macio, o triângulo inscrito no rosto, a barriga tenra e morna. Aglomerados numa memória rachada. Trazemos conosco o recheio dos olhos amarelos. Pulverizamos na casa/cresce um oco frio doloroso na espinha (que só um grito abafa). Os destroços brotam e pisoteamos freneticamente para atingir a raiz. O passado não mais se reconhece como catástrofe (um sol possível surge quase líquido de tanta timidez). Por ora respiramos resolutos e aliviados. Sentamos e aguardamos até a próxima parede rachar.