sexta-feira, 24 de maio de 2013

Coisas e lembretes

 

Horas mofadas, passado mofado, morte em vida, silêncio de gelo, profundidade sufocante, sem respostas nem perguntas, nenhuma explicação para nenhum enigma, falta de coragem para aceitar a falta de sentido, viver por obrigação, esperar ansiosamente por melhoras súbitas, vagar sem consciência pelos cômodos,  sonhar com as feridas abertas, tapar feridas com inércia e sonolência, fingir-se de planta, balançar o tronco como uma palmeira, emitir grunhidos como uma palmeira, sorrir falsamente diante dos outros, ler notícias de desastres, lamentar a própria incapacidade de acreditar em fantasmas, criar os próprios fantasmas dentro do quarto, telefonar para fantasmas, etc. Surpreender-se a cada momento com o próprio passado, aceitar o fracasso como uma bênção, pensar em cigarros e não fumá-los, pensar em pessoas e não procurá-las, pensar nas cartas por escrever e não escrevê-las, pensar na vida e não vivê-la, pensar na morte e não morrer. Refazer todo o percurso mentalmente, analisar cuidadosamente as rachaduras, trocar lâmpadas fortes pelas queimadas, desejar com força o milagre que não vem, encontrar sentido no passado, engolir memórias cáusticas, engasgar-se com o passado mal digerido, aguardar a visita de extraterrestres, comparar o próprio fracasso com o dos outros, apaixonar-se pela mesquinhez dos outros, acostumar-se com a própria mesquinhez, amar os pobres de espírito, sentir-se nauseado na presença de pessoas otimistas, esperar pelo futuro sem fazer nada, esconder-se de si próprio, sonhar com rostos inexpressivos, temer a velhice mais do que a morte, viver o caos e a mudez, respirar no escuro, superficialidade em cada atitude, silêncio aconchegante, horas e dias pela frente, mofo e promessa, palavras vazias, nada para viver ou fazer, afugentar a angústia com xícaras de chá e café.