terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Existe uma coisa da realidade



Enquanto estamos no pasto e nada acontece, salsichas se aproxima e me conta uma coisa esquisita: ele estava no vento quando ouviu um estrondo que bem podia ser o luar se chocando com algum animal gigante empalhado. Peguei sua pata macia e atravessamos. Não havia estação do ano alguma naquele momento. Eu aprendi a, mesmo sem acrescentar nada, continuar tentando. Eu não me empolguei muito (como ocorre habitualmente), mas insisti em trazer seu osso até meu barco para roer. Um porco inteiro espera para ser abatido. Não entendo nenhuma das dicas que me são dadas e peço outras. No momento em que acontece, as horas são convertidas em um espasmo singular. Dormimos no posto de gasolina abandonado/tomo meus probióticos e vou pra cama, onde estão todos de prontidão para me entrevistar. Tudo continua perfeitamente calmo e ruim. Eu não sinto como se houvesse uma coisa inteira para falar. Ele me faz sentir uma coisa extremada, sem solução. Existe ali uma coisa que é da realidade. O impossível não acontece, como já esperado/o assombro não inflama, não impressiona. O dia inteiro passa a ser também meu universo. Salsichas me ouve com hora marcada. Nada disso faz qualquer sentido e é sequer interessante. Esse ano foi aniversário da Naomi Kawase/Encontro um arbusto de rosas muito fracas e sonolentas/O olho é macio e não enruga. O ressentimento é infinito. Nem aqui dentro eu consigo ser devidamente sincero com as coisas. Por exemplo, espero uma palavra passar para atirar. Perco a casa inteira para um bando menor/as portas permanecem fechadas/os cachorros mijam no tapete do banheiro. Percorremos as esquinas em busca de um pequeno desfiladeiro para saltar. Nada importa. Eu tenho apenas que entender qualquer coisa, qualquer coisa que eu entenda já é suficiente. Se ele tivesse ficado por aqui e pudéssemos desfrutar de uma vida mais simples, em que meramente alguém acordasse indisposto ou com os ossos estufados, e que alguém, antes de sair, comunicasse: "oi, vou passar por uma floresta mais tarde, você precisa de algo?", e assim por diante. Coisas que são apenas construídas em uma dimensão a dois, sem enfrentamentos, sem complicações. Enquanto não acontece, uma ostra segue sentada. Eu encontro outro desfiladeiro. Uma ostra segue vazia até o terreno lunar. Eu preciso cuidar deles até o fim, é a única missão. A vida é um universo. Eu apenas abracei sua barriga. Era por volta de alguma hora da tarde. Vamos andando juntos, eu supero as coisas com muita leveza, muito humor. Eles são pessoas que eu tenho por perto e abençoo. Você rola por cima do meu pombo/eu aparo as arestas até você dormir. Um pombo agradece e se esforça. Ele é uma pessoa que é uma ostra, ele é difícil de brincar. Estamos no pasto e nada acontece. O meu amigo salsichas não me expõe a nenhuma circunstância. Eu não paro de me alimentar de sorvete em todas as refeições, mas ouço com cuidado a recomendação médica que por fim ignoro. Um coração despedaçado, empanado com farinha panko e frito na airfryer, uma porção de banana nevada para substituir o café. E quando enfim outra pessoa aparece e se posiciona, pensamos: então você quer levar esse lixo que o anterior não carregou? E rimos de súbito por uma tarde inteira até acabar. Eu não consigo mais cansar de rir. Eu não preciso dar satisfação a ninguém, apenas junto toda lenha e construo minha casa sem que ninguém suspeite, é tarde demais para começar a sair.