quarta-feira, 7 de outubro de 2015

nota no.1


O pequeno cálice, o som em meu umbigo, o som, o cálice vibrante continua a soar por muitos dias. Quando afinal as vibrações esmaecem, há uma presença em mim, uma presença. Algo semelhante a um besouro, não, a uma aranha de movimentos lentos. Logo não é mais uma aranha e sim um pássaro de asas curtas, sem bico, os pés cortados, um pássaro cinzento, mais tarde um peixe quadrúpede, aflito e inquieto, nadando com esforço em meu útero verde. Abro a janela e os olhos do peixe se iluminam, choro e o peixe entristece, tenho sono?, adormece, corro e suas pernas se agitam, assusto-me e ele se encolhe, alegro-me e as suas escamas resplandecem. Sem que eu saiba, há em mim uma cisão, de mim mesma estou nascendo, invado-me. Já não é um peixe, mas um cão, um cão ornado de plumas, com grandes barbatanas, que me ocupa. Tem pés e mãos. Às vezes estende a perna, com o pé fura-me o ventre, o baço, eu me contorço de dor. Ergue o punho e me fere o coração, atravessa-o: surgem manchas roxas no meu corpo. Lambe-me a garganta e eu vomito. Ligo tudo isto, aturdida, à ave que desce sobre meu ventre e, muitas vezes, muitas, sondo as nuvens. Mas a ave não volta, nunca mais, nunca, não reaparece.  


Osman Lins /
Avalovara